sábado, 21 de agosto de 2010

CARNOY, MARTIN, & LEVIN, HENRY M. 1946. Contribuição à crítica da economia política. Ed. Flama, p.30-1, São Paulo Tradução de Florestan Fernandes.

No texto descrito por Martin Carnoy e Henry M. Levin traduzido por Florestan Fernandes nos mostra uma visão diferenciada sobre as diferentes linhas de pensamento que definem as concepções de Estado. Os autores mostram que as principais diferenças entre as teorias do Estado e as teorias de uma perspectiva de classes, encontram-se na interpretação sobre quem o Estado representa. Um grande fato é que o Estado é visto como representativo e representante e ajuda a todos, menos quando o seu interesse é ameaçado, já na análise de perspectiva de classe ele é um meio de dominação de classe e também parte dos conflitos. Parece um pouco confuso, mas ao desenrolar do texto, de forma brilhante e de uma avaliação neo marxista os autores explicam bem as três principais formas das perspectivas de classe.

Os autores começam organizando as ideias através de duas perguntas básicas (O que se repete ao longo do texto): De que modo o poder econômico da classe dominante se traduz em poder do Estado? E em que medida o Estado serve aos interesses da classe dominante? São dois importantes problemas para se entender melhor a teoria de uma perspectiva de classe.

A classe dominante é potencialmente conflitante, por estar em uma sociedade capitalista que possuem seus elementos diferentes e vários grupos elitistas que vão defender a sua própria ideia. Na classe trabalhadora não é diferente, sendo assim, o Estado tem a função obrigatória de mediar e conciliar os elementos conflitantes da classe dominante. Para não haver grandes rupturas ele deve tentar equilibrar o jogo, mas para que o Estado tenha sucesso, ele precisa ter autonomia em relação a qualquer parcela da “classe dirigente” (Miliband, 1977), para poder desenvolver as suas políticas com um desprendimento da classe dominante para poder se movimentar.

Marx se debate sobre isso, pois para ele o Estado possuía uma vida própria diferente da sociedade civil, e sua burocracia que não agia em prol da sociedade, mas sim em seu próprio interesse. Karl Marx mudou o seu ponto de vista da luta de classes em uma teoria do Estado como instituição com vinculação de classe, pois para Marx e Engels o Estado provém da contradição entre o indivíduo e o interesse público (texto), e com isso a comunidade acaba por se distanciar dos indivíduos para se alocar a outro grupo que tenha o mesmo interesse.

O que todos nós sabemos é que o Estado capitalista é dominado pela burguesia, mas o que não está claro é como ele defende a burguesia como um todo, pois ele detém o poder, mas tudo isso reflete nas relações de produção da sociedade civil, sendo assim o Estado como uma instituição altamente e socialmente necessária, para ser uma pacificadora de todos os conflitos existentes entre as classes. Diferentemente disso, os conflitos dentro do Estado são meramente as formas ilusórias sobre as quais se travam as lutas reais entre as diferentes classes.

No livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” Engels (1968) foi desenvolvida a relação entre as condições materiais da sociedade, sua estrutura social e o Estado. Percebe-se que o Estado tem a necessidade de controlar as lutas sociais e os interesses econômicos, e esse controle é exercido pela classe economicamente mais poderosa da sociedade. Mas como o fazem? Ocupando pontos estratégicos em todas as partes mais nobres do funcionalismo público e da sociedade burguesa. O Estado capitalista tem a necessidade de reduzir o conflito de classes e manter a ordem que reproduz a dominação econômica da burguesia.

O autor dividiu a autonomia do Estado em dois níveis: O 1º nível, a condição normal, a burocracia estatal tem alguma autonomia em relação à classe dominante, por esta não assumir o encargo direto do aparato estatal em que exigiria o estabelecimento de uma burocracia autônoma que mandasse na classe capitalista como um todo, esta tem uma formação social subordinada à sociedade burguesa. Com isso a burocracia se reduz cada vez mais no status de um estado social que reproduz os interesses da classe dominante.

Já o segundo nível é atingido quando o conflito de classes é congelado e é incapaz de qualquer um ter poder sobre o Estado, pois o Estado não é mais instrumento da burguesia, ele é autônomo, e também não é contra os poderes dirigentes, pois para perpetuar no poder tem que ser aceito por eles.

Após o entendimento dos dois níveis, em fato o Estado autônomo não altera a configuração de poder econômico porque depende da acumulação de bens da burguesia.

Mais algumas perguntas foram importantes para entendermos através dos autores de como funciona o modelo para educação e trabalho, portanto de que modo o Estado capitalista serve como um instrumento de uma classe dominante? E quão autônomo é o Estado em relação à classe dominante? Ambas as respostas estão ligadas.

Uma primeira resposta mostra que os quadros de pessoal de Estado estão lotados em locais estratégicos e que dominam outros altos pontos em outras partes da sociedade, mas isso não quer dizer que ele agirá apenas em próprio benefício, mas sim em manter a burguesia em uma sociedade futura em que estariam outros membros, e isso tecnicamente não é empiricamente válido, mas a questão é por que tais membros reproduzem as mesmas relações capitalistas de produção e atendem a classe dominante ou vice-versa? E o que o autor responde é que o ideal classicista não é determinado pelas origens sociais do pessoal dirigente

Uma segunda resposta diz que a classe dominante exerce o poder no Estado por possuir e controlar os recursos econômicos, não somente a burguesia usa o Estado como instrumento de dominação através da economia o que o constitui como um ponto de referência, esse mesmo Estado deve servir a burguesia a fim de sobreviver como Estado representante das minorias, mas isso não quer dizer que sirva exclusivamente aquela classe, mas ele tem como função apaziguar o conflito de classes respondendo aos interesses em necessidade da classe dominante.

Uma terceira resposta para ambas às perguntas explica que o Estado só é um instrumento da classe dominante porque devido a sua posição estratégica na produção ele não poderia ser outra coisa, pois o Estado não depende de outros fatores a não ser da natureza e exigências do modo de produção. Além disso, a economia têm sua racionalidade própria e o governo e todo o Estado está submetido as suas regras. Uma importante aferição dessa resposta pelo autor mostra que “as divisões de classes inerentes à economia tornam o Estado capitalista em Estado de classes” e na obra de Althusser (1977) mostra que a educação é o principal aparelho ideológico do Estado capitalista, pois é a principal forma de reprodução da divisão de classes e do trabalho e, além disso, mostra também como se reproduz sem a interação da classe empresarial, como os capitalistas nem sempre são parceiros, acabam mesmo assim por ser uma força ideológica poderosa.

Uma quarta resposta explica que as estruturas ideológicas são determinadas pelo processo de trabalho, pois tenta modificar a luta de classes mostrando que as relações entre capitalistas e trabalhadores são apenas relações de classes (Poulantzas, 1974: 130-1), os capitalistas e os trabalhadores são reduzidos a indivíduos e são apenas divididos como classes. A competição reside apenas entre os membros de mesma classe através dos aparelhos jurídicos e políticas do Estado, e a classe burguesa promove uma espécie de ocultação da relação entre as classes, pois o Estado apresenta-se como representante do “interesse geral” de grupos concorrentes e – ele é simultaneamente o Estado popular, racional e de classe (Poulantzas, 1974:130-1).

Mas se o Estado minimiza todos os seres a indivíduos e todos são iguais como a classe capitalista vem a dominar a luta de classes? Poulantzas define isso como a luta de classe política. A luta política é relativamente autônoma em relação à luta econômica e os capitalistas dominam “por meio de uma operação política ideológica global exclusivamente sua” e seus interesses são apresentados como representativo do povo e da nação.

A competição entre membros e subgrupos da classe dominante existe e como resolve uma competição para transformar a ideologia dominante em poder da classe dominante? Eles se polarizam, mas é dominada politicamente a fim de proteção da sua unidade política. A classe dominante transforma seus interesses econômicos em interesses políticos para representar os interesses gerais comuns das classes ou frações que são blocos de poder econômico.

O interesse geral para Poulantzas consiste em exploração econômica e dominação política.

Partindo para um viés mais estruturalista o Estado não é um lugar de luta de classes e representa o equilíbrio de poder político sendo que as pequenas classes têm pouca influência no funcionamento do Estado. O estruturalismo é importante pra a análise, mas para alguns é uma análise incompleta e dirão alguns como Miliband em 1970; Gold, Lo & Wright em 1975 é enganosa e incorreta. Mas mesmo o Estado sendo autônomo, essa autonomia é relativa segundo os estruturalistas, pois a burocracia não é aparelho direto da classe dominante, mas é onde ela reproduz a sua hegemonia e sendo assim a classe trabalhadora não tem influência no Estado e então acaba pela mudança só poder vir de fora dos braços do Estado e da organização da classe dominada, que se afastaria da classe dominante entre elas os partidos e as escolas.

Outra formulação diz que a autonomia do Estado é muito mais concreta e que o Estado não é o local da proliferação e tratamento da hegemonia capitalista e onde a burocracia executa os serviços. Klaus Offe atribui a independência no Estado, que, confirma que a classe capitalista não existe como classe apenas na medida em que seus interesses se manifestem nos movimentos políticos da burocracia do Estado capitalista.O Estado também acumula renda pra se manter como Estado capitalista e aceita as exigências da classe trabalhadora como forma de legitimação e projeto de promoção e acumulação do capital para a reprodução de classe.

O Estado é mais que isso, ele também consiste nos aparelhos institucionais das organizações burocráticas e de normas e códigos normais e informais que constituem e regem as esferas públicas e privadas da sociedade para Offe. Os aparelhos do Estado consistem de um conflito de estruturas organizacionais complexas e diferenciadas.

Em concordância com os pontos de vista hegelianos de Marx e as interpretações posteriores de Weber, na análise de Offe, diz que a relação da burocracia com a sociedade civil acentua a autonomia relativa do Estado ao ponto da burocracia ser o mediador independente da luta de classes oculta. E o Estado se torna a arena principal da crise de legitimação e o local onde essa crise se resolve ou aumenta.

Não só para Offe como para Althusser a educação é o maior meio de reprodução das relações capitalistas e adquirem legitimidade por ceder maior oportunidade de emprego da classe trabalhadora. Não contudo, para Offe, determina-se o papel da escola como fonte de maiores possibilidades de arrecadação de capital por parte dos capitalistas e de novas oportunidades de emprego por parte do Estado.

Uma nova visão do Estado como “terceira força” é uma análise poderosa, pois posiciona o Estado entre uma classe empresarial fracionada e uma classe trabalhadora igualmente fracionada – ambas, com interesses implicitamente opostos, porém suficientemente desorganizada para oferecer à burocracia do Estado grande margem de poder independente no estabelecimento de políticas. Não somente, o Estado se torna o moldador do conflito social e portanto a burocracia se torna dependente do acumulo de capital.

Após todas essas indagações a respeito da posição em que o Estado leva, infelizmente nos levam a perder a perspectiva das forças sociais como mudança que causam a ação do Estado.

Os autores acabam por defender que “a burocracia do Estado não é apenas uma terceira força” atuando por si mesma e sujeita a condições históricas particulares, mas também é o cenário do conflito, tanto entre as classes dominante e dominada, quanto no interior da classe dominante, cujas frações competem entre si para organizar aquela classe e estabelecer seu predomínio social. Não somente o Estado não desenvolve sua dinâmica, mas também fica a mercê dos conflitos das classes, ou dos conflitos imbuídos dentro das classes. Uma boa análise para fechar o parágrafo é descrita por Poulantzas em 1978 que diz que “o Estado não é um bloco monolítico, mas um campo de batalha estratégico”.

No fechamento do texto os autores acabam por perceber que o Estado em todas as suas funções sejam ideológicas, repressoras ou econômicas são contraditórias, indiferente de tentar manter sua hegemonia, ou de ser um campo estratégico de apaziguar disputa entre as classes. “O Estado constitui um local para a classe dominante organizar-se estrategicamente em sua relação com as classes dominadas. É um centro para o exercício do poder, mas não possui seu próprio poder.”

O texto é um muito denso, em que são poucas as partes que não se podem deixar passar, mas não somente, explicam de maneira precisa e completa de vários ângulos os vários modelos do funcionamento do Estado em uma sociedade capitalista, tornando um texto essencial de literatura sobre o papel do Estado.

Um comentário:

  1. precisamos corrigir algumas coisas nesta resenha, mas no todo ela está muito boa.
    vou enviar depois um modelo de resenha.
    PM

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